Um Marco Regulatório para a Educação a Distância

Ao longo de seus 88 anos de existência, a Associação Brasileira de Educação – ABE - tem se dedicado aos mais importantes temas da educação em nosso país, trazendo ao debate assuntos que vão desde profundas reflexões filosóficas até aos aspectos mais práticos e cotidianos que envolvem as questões relacionadas à transferência e à liberdade de acesso ao saber.

Nos últimos anos, com o advento das novas tecnologias, tem colocado toda a sua atenção nas mudanças ocorridas nos mecanismos de ensino/aprendizagem e nos prognósticos das mudanças que estão por vir - em velocidade certamente exponencial - provocadas por novos fatores e instrumentos de acesso ao saber só comparáveis ao que foi um dia a invenção da imprensa.

Foi assim que, em 2007, abriu a discussão com uma série de eventos voltados para a reflexão sobre essa instigante realidade e, com a realização do I Encontro de Educação a Distância, trouxe ao debate as preocupantes questões relacionadas àquela metodologia – a mais imediatamente impactada pela evolução tecnológica - passando a apontar a necessidade do lançamento de um marco regulatório que organizasse o segmento, banisse dura e definitivamente as fraudes que contaminavam os processos de certificação, focasse nos aspectos desenvolvimentistas e promovesse o ambiente adequado aos investimentos necessários à consolidação do setor.

Naquela ocasião, a idéia de Educação a Distância confundia-se com o comportamento marginal de venda de certificação de conclusão em alguns cursos de Educação de Jovens e Adultos ofertados na forma de EAD que, em certo momento, chegou a se disseminar por diversos Estados da Federação.

Desde que começaram a ficar evidentes as fraudes com certificação na Educação de Jovens e Adultos, o Conselho Estadual de Educação passou a adotar postura claramente restritiva mediante a imposição de dificuldades para o credenciamento de escolas interessadas em ofertar cursos nessa modalidade. A utilização de entraves burocráticos tem sido uma constante nos dispositivos que regulam a matéria. Entretanto, sempre foi visível que esse caminho não só não é o mais adequado, como também inibe o desenvolvimento de um segmento que adquire cada vez mais importância como instrumento de disseminação da educação e que avança no sentido de mesclar-se com a educação presencial promovendo um novo modelo de escola – a escola do futuro – de um futuro menos distante do que nos possa parecer.

A importância da matéria está a exigir um exame mais aprofundado do problema. Verifica-se, com relativa facilidade, que as fraudes ocorriam, quase em sua totalidade, pelo uso do artifício de se registrar, com data retroativa, as matrículas dos alunos beneficiários dessa “certificação”, fraudando a obrigatoriedade de temporalidade mínima estabelecida na legislação. Tais facilidades tinham, em sua origem, a quase impossibilidade de cruzamento de informações que permitissem à Inspeção Escolar a confirmação do cumprimento dos prazos legais, uma vez que o mecanismo que deveria ser o mais adequado para tanto, o sistema do Censo Escolar (EDUCACENSO) não capta as informações da EAD. Adicionalmente, as Coordenadorias de Inspeção Escolar careciam de recursos humanos, materiais e financeiros para executar uma inspeção eficaz e coibir as práticas delituosas.

Para suprir a deficiência de controles, as instituições do setor, vêm propondo, desde 2007, através da Associação Brasileira de Educação - ABE, a criação de um mecanismo que foi denominado, preliminarmente RGA (Registro Geral de Alunos) que, em síntese, significa a obrigatoriedade de as escolas de EAD, enviarem, mensalmente, à CDIN, a relação de alunos matriculados no mês anterior, de forma que esses relatórios se transformem em um banco de consultas para que a inspeção escolar possa verificar a data real da matrícula por ocasião da autorização da publicação de concluintes no Diário Oficial. Tal mecanismo de controle será capaz de inibir quase totalmente eventuais irregularidades ainda praticadas.

Resta avaliar as situações apontadas, com certa razão, de escolas que não ofertam a tutoria obrigatória, facilitam as avaliações e levam à conclusão alunos despreparados para tanto. Todavia, essas situações, primeiramente, não ocorrem apenas na EAD. Com freqüência, ouvimos relatos de escolas presenciais que “facilitam” a vida do aluno e que não têm maior preocupação com o nível de formação de seus concluintes. Em segundo lugar, precisamos reconhecer que problemas dessa ordem só poderão ser combatidos através de uma inspeção escolar equipada e eficiente e, sinceramente, acreditamos estar caminhando nessa direção. A criação de mecanismos de aferição de qualidade será, também, fundamental para a mudança de comportamentos condenáveis, porventura, ainda adotados.

A Educação de Jovens e Adultos é um extraordinário mecanismo de inserção social. Sua disseminação através da EAD é não só necessária como deve ser encarada como uma ação estratégica para um país que precisa, urgentemente, educar seu povo. A eliminação das barreiras burocráticas vai proporcionar o ingresso de mais escolas ofertando cursos nessa modalidade e, ao contrário do que se imagina, será a ampliação da oferta, pelo concurso de novas e mais numerosas instituições que irá colaborar, decisivamente, para a criação de um ambiente positivo, de preocupação com qualidade e de desenvolvimento na EAD

Ademais, o exame da questão da EAD, não pode ficar limitado ao enfoque da EJA e aos problemas que foram criados por algumas instituições. É preciso que se examine, com seriedade, a questão da educação profissional e as demandas nessa área. A EJA deve ser encarada como um instrumento de viabilização da formação de técnicos de nível médio e não mais, essencialmente, como instrumento de certificação, não obstante identificarmos, na prática, um significativo número de egressos da EJA ofertada na metodologia EAD, ingressando no serviço público, em cursos de graduação ou no mercado de trabalho – o que, de certa maneira, aponta na direção de melhorias no quesito qualidade desses cursos. O que entendemos deva ser examinado com especial cuidado é a importância da educação profissional, a formação de técnicos que o segmento produtivo tem carecido, como uma responsabilidade de todos. A área regulatória precisa perceber que haverá, a curtíssimo prazo, uma pressão enorme pela formação profissional. As instituições de ensino e o mercado precisarão desenvolver arranjos e acordos para levar, com competência, a formação profissional a todos os cantos desse país imenso. A integração da EJA com a Educação Profissional passou a ser solução de importância estratégica e a EAD tem um papel fundamental nesse processo, não devendo ser encarada e menos ainda, regulada como se fora mero instrumento de fraude ou facilitação de certificação.

Nesse sentido, percebe-se uma grande expectativa em relação à gestão que se inicia no CEE. O Professor Roberto Boclin é uma das grandes autoridades em educação profissional deste país e, espera-se, saberá conduzir as reformas necessárias à criação das condições regulatórias para o desenvolvimento da Educação Profissional integrada com as outras modalidades.  

Também nesse sentido, o Governo Federal, com o PRONATEC vem sinalizando, haja vista o significativo volume de recursos destinados ao programa, o tratamento prioritário que a formação de técnicos de nível médio deve receber. Recentemente, o CNE/CEB editou a Resolução Nº6/2012 que trata da Educação Profissional. Nela já estão previstos mecanismos de aferição de qualidade dos cursos de educação profissional, que deverão contemplar cursos ofertados presencialmente e a distância. O Parecer CNE/CEB Nº11, que originou a Resolução Nº6, atenta para a necessidade de escolas e empresas buscarem ajustes e acordos que viabilizem a disseminação da educação profissional.

Todas essas razões devem nos levar a reflexões profundas e imparciais. Precisamos entender que, no passado recente, a mistura explosiva representada por uma legislação excessivamente burocrática, uma fiscalização carente de recursos humanos, materiais e, inclusive, de informação combinada com uma total ausência de repressão aos agentes das fraudes promoveu um resultado que só poderia ser o ambiente de descontrole e impunidade que deixou profundas marcas na EAD. Tais marcas trouxeram como conseqüência, uma postura ainda mais restritiva e preconceituosa, tanto no órgão regulador como no de inspeção. Não obstante serem bastante conhecidas as “escolas” envolvidas nas práticas de irregularidades, o ambiente de desconfiança atingiu a TODAS as instituições do setor.

Entretanto, a partir da admissão dos inspetores aprovados no primeiro concurso público, a COIE, atual CDIN, começou a se reestruturar para exercer suas funções de maneira mais adequada enquanto, paralelamente, o Conselho Estadual de Educação começava a promover os primeiros casos de descredenciamento de instituições envolvidas em irregularidades. O ambiente atual já é bastante diferente, permitindo que o eixo da discussão seja transferido do problema das fraudes para o eixo do desenvolvimento e da qualidade na educação.

Precisamos, pois, colocar as questões em seus devidos lugares separando as que são da esfera administrativa, tais como regulação, qualidade, gestão escolar, inspeção e ajuste de rumos na oferta de ensino daquelas que são da esfera penal, encaminhando às autoridades policiais os autores de crimes contra o sistema educacional, deixando rigorosamente clara a distância existente essas duas esferas.

O novo momento por que passa o país e os desafios de sua inserção no grupo das nações desenvolvidas indicam ser absolutamente necessário e urgente que se caminhe na direção de um marco regulatório que produza o ambiente favorável ao desenvolvimento da EAD, modalidade, que demanda investimentos significativos e participação de organizações competentes e sérias. Isso significa regras claras e estáveis, redução dos entraves burocráticos, agilidade nos processos de credenciamento de instituições e autorização de cursos e pólos de apoio presencial e agilidade, também, na tramitação dos processos administrativos decorrentes da identificação de irregularidades, permitindo a responsabilização penal dos agentes de fraudes. A EAD é peça fundamental desse novo modelo de escola do futuro que a sociedade almeja. Precisa ser vista e regulamentada por essa mesma ótica.